Lei 2630/2020 pode mudar a Internet que conhecemos no Brasil
A liberdade é uma das virtudes da democracia. Dizer o que pensa, ainda que seja punido pelo rigor da lei é um atributo dos países democráticos e desenvolvidos. Não à toa, a Primeira Emenda (Amendment I) da Constituição dos Estados Unidos é uma parte da Declaração dos Direitos dos Estados Unidos.
O congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um estabelecimento de religião, ou proibir o seu livre exercício; ou restringindo a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações de queixas.
Contudo, o Brasil não é os Estados Unidos. Nesse sentido, o PL 2630/2020, de autoria do senador Alessandro Vieira (PSDB/SE), busca instituir a “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet” e está aguardando a constituição de comissão temporária pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.
Apesar de falar em “Liberdade”, o projeto de lei pode limitar o direito de dizer o que pensa. Conhecido como o Projeto de Lei das Fake News, ele foi criado com o objetivo de combater a desinformação. Uma realidade que precisa ser combatida e debatida à exaustão. Contudo, o Congresso está fazendo esse debate sem considerar as sequelas negativas e indesejadas que o projeto de lei pode trazer.
De modo genérico, o PL determina que as plataformas remunerem os veículos de imprensa que publicam notícias nas redes sociais, mas não explica como isso aconteceria na prática e quais os critérios para definir o que são veículos de imprensa elegíveis a receber pelas notícias publicadas nas plataformas.
Dessa forma, os grandes veículos tradicionais se tornarão os principais players. Ou seja, um retrocesso para que a imprensa tradicional se mantenha relevante e controlada por governos e grandes empresas anunciantes. Sobretudo em detrimento da imprensa e jornalistas independentes, que realizam um trabalho sério.
Do jeito que está hoje, o PL 2630 pode facilitar a ação de pessoas que querem disseminar desinformação, pode tornar mais difĩcil que veículos de comunicação de todo o país alcancem seus leitores e pode tornar nossos produtos e serviços menos úteis e menos seguros para os milhões de brasileiros e empresas que os usam todos os dias.
A publicidade digital tem sido fundamental para o desenvolvimento da web aberta, permitindo que as pessoas acessem informações sem custo, que os veículos de comunicação possam monetizar seus conteúdos, que pequenos anunciantes se conectem a potenciais consumidores e permitindo a existência de produtos gratuitos.
Se o texto atual do PL 2630/2020 lei for aprovado, milhares de pequenas e médias empresas no Brasil – muitas delas ainda se recuperando da crise causada pela pandemia – terão dificuldades em aumentar suas vendas com a ajuda da publicidade online.
O projeto impede as plataformas de publicidade de usar informações coletadas com o consentimento dos usuários para conectar empresas com potenciais consumidores. Dessa maneira, os anúncios digitais podem gerar menos vendas e as empresas pequenas terão de investir mais para alcançar o mesmo número de clientes, ou seja, ficará mais difícil para elas prosperarem.
O Brasil tem uma das mais robustas e complexas cartas magnas do mundo, a Constituição de 1988. Além de uma legislação penal e civil bastante clara. As plataformas digitais também têm suas próprias regras para o uso das plataformas, seja o Meta, Google, TikTok. Twitter ou qualquer outra.
Portanto, para publicar uma foto no Instagram, por exemplo, é necessário aceitar os “Termos e Condições”, um documento pouco lido, mas que o usuário concorda. Embora os governos se esforcem para definir as regras do mundo digital, são as bigtechs que dão as cartas. Ainda que elas não tenham mostrado como manejar as ferramentas e mercados que estão criando, é um ambiente “controlado”, mas como qualquer atividade, sujeita a legislação vigente.
A Manacá entende e concorda que é preciso combater as fake news, mas da forma como está PL 2630/2020 cerceará os espaços livres da Internet brasileira, permitindo que grupos da imprensa retornem ao poder da informação e da condução das massas. E, principalmente, na restrição do alcance do conteúdo relevante para os pequenos anunciantes. É preciso, mais do que nunca, o debate entre governo, empresas e sociedade civil, para que sejamos cada vez mais livres.